Não estamos diante do ocaso do protestantismo quando observamos as suas transformações.
Pentecostalização é uma palavra que não existe no vernáculo,
mas que tem sido muito empregada ultimamente, sobretudo pela chamada
elite culta evangélica. E empregada, vale dizer, de forma pejorativa.
Tal processo é tido como uma degeneração, já que o protestantismo
histórico brasileiro é visto como um elemento fixo. Assim, a teologia é
compreensível, a liturgia é consagrada e as tradições, embrulhadas em
invólucros denominacionais. Sob esse ponto de vista, a pentecostalização seria um processo endógeno, altamente ameaçador.Em religião, é complicado pensar linearmente. Os grupos religiosos passam por transformações porque são influenciados pela dinâmica social. O próprio protestantismo, com suas várias expressões, não tem sido uma unidade fixa passa por mudanças radicais, e não é diferente com o chamado bloco das igrejas evangélicas históricas. Pois é nesse ponto que reside a grande dificuldade de se admitir a tal pentecostalização. Mudanças são olhadas com desconfiança, e a hostilidade não tarda a vir.
Quando o protestantismo chegou às terras brasileiras, a identidade do segmento era afirmada pela negação do catolicismo. Hoje, parece que a grande preocupação de um grande grupo é afastar-se dos "trejeitos" pentecostais, para que se possa afirmar como protestante, ou mesmo cristão. Existe quase um temor oficial de contágio pela pentecostalização, sobretudo entre as igrejas evangélicas históricas, marcadamente herdeiras da tradição protestante.
É preciso destacar que a pentecostalização, para muitos dos doutos teólogos e cientistas sociais protestantes, não é o mesmo que pentecostalismo. Enquanto este tem uma identidade específica, aquele é um híbrido. Entende-se pentecostalização como a degeneração das chamadas igrejas evangélicas históricas (protestantes). Assim, deparamo-nos com análises sérias ou estamos simplesmente presenciando mera nostalgia? Considerando as transformações dos grupos religiosos, há quem prefira sempre o retorno às origens, em vez das incertas transformações que levam ao futuro. A evolução do judaísmo para o cristianismo, por exemplo, foi encarado pelos guardiões da santa tradição como degeneração. Veio o catolicismo, com seus papas e santos, cátedras e catedrais, e os puristas se horrorizaram com o que consideravam a degeneração da fé. E o que dizer da própria Reforma, estigmatizada que foi, no século 16, como heresia pelos supostos detentores da chave do Reino de Deus?
E quando a fé reformada desceu da América do Norte e chegou à América do Sul, o que aconteceu foi um processo de mudanças ou de degeneração? Nós, que aqui estamos abaixo da linha do Equador, preferimos pensar que somos naturais herdeiros da tradição protestante, e por isso zelamos para não sermos infectados pelo catolicismo ou pelo pentecostalismo.
Até mesmo dentro do pentecostalismo existe também a noção de que o tempo consagra e as novidades estragam. O movimento pentecostal no Brasil desencadeou-se nas primeiras décadas do século 20. Na visão de um grupo expressivo, foi uma degeneração da fé avivada que levou ao surgimento das igrejas dos anos 1950 e 60, que abusavam de expedientes como cura, exorcismo e magia. Mais para a frente, surge o pentecostalismo midiático, que no entender de muita gente evidencia a falta de caráter e o abuso do poder nas suas múltiplas formas. Ou seja, também dentro do pentecostalismo, as inevitáveis transformações podem ser consideradas nocivas. O uso indiscriminado do termo “neopentecostal” com conotação pejorativa que o diga.
O fato é que as igrejas evangélicas históricas estão imersas em um processo de transformações profundas. Isso é o mesmo que pentecostalização? Cabe a todos os envolvidos – teólogos, pastores, membros das igrejas, cientistas sociais – uma investigação atenta, que fuja aos lugares-comuns. Quais as rupturas teológicas, institucionais, denominacionais e litúrgicas desse processo? A verdade é que não estamos diante do ocaso do protestantismo quando observamos as suas transformações. A chamada Igreja reformada muda continuamente, como previu Martinho Lutero. A questão é: sempre que se transforma, a Igreja necessariamente se degenera?
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