Os
debates em torno das vertentes teológicas existentes no meio cristão
sempre levantam discussões intensas sobre o que é e o que não é heresia
na mensagem pregada pelas mais diversas denominações.
O bispo Walter McAlister
publicou um artigo sobre o assunto em seu blog, e adaptou um ditado
popular para definir como impensável a relação entre cristãos adeptos da
mensagem tradicional e os pregadores das mensagens heréticas: “Heresia é
heresia, amizades à parte”, escreveu.
Para McAlister, heresia “é uma postura que esvazia o poder da cruz e,
consequentemente, desvirtua a fé para algo que não salva, não dá vida e
não nos mantém em relacionamento com o Deus vivo”, e que portanto, deve
ser evitada.
Segundo o bispo, abrir espaço para heresias é o caminho para mutações
no evangelho: “Se tirarmos a imutabilidade de Deus da equação,
desconstruímos o Evangelho. Se não afirmamos a exclusividade de Cristo
como o único caminho para a salvação, esvaziamos a sua mensagem e o
próprio propósito das Escrituras”.
Walter McAlister afirma ser “impossível amar a Deus e ser ‘amigo’ de
quem distorce a importância, o significado e a missão do seu Filho,
Jesus Cristo”.
Confira a íntegra do artigo “Meu amigo, o herege”, do bispo Walter McAlister:
O ditado “amigos, amigos, negócios à parte” não tem nada,
mas nada a ver com fé e prática cristã. O ditado geralmente explica
como pessoas podem deixar de lado sua amizade e serem duras ou práticas,
tratando uns aos outros como se nem amigos fossem. Desconto? Crédito?
Brinde? Pode esquecer. Ser amigo nesta hora fica em segundo plano. O
negócio é o negócio. Amizade se aplica a outras coisas. Mas… e na
teologia? A minha resposta pode parecer dura, mas tenho que dizer
um não categórico.
Pois falar “amigos, amigos, doutrinas à parte” não é algo aceitável
biblicamente. Podemos deixar as diferenças na porta e simplesmente
afirmar amizade? Até certo ponto, creio que sim. Aliás, creio que seja
absolutamente fundamental para a Igreja de Jesus Cristo superar as
nossas diferenças periféricas (doutrinas de segunda e até terceira
ordem) para nos concentrarmos naquilo que nos une.
Num território comum a nós todos, ou seja, sob o Senhorio de Jesus
Cristo e com tudo que isso quer dizer, amizade tem que superar até
diferenças bem incômodas. Formas de batismo (credobatismo ou
pedobatismo; submerso ou aspergido), liturgia (moderno ou tradicional ou
até salmodíaco), indumentária, escatologia… sim, até os arminianos e
calvinistas precisam se entender e conviver em paz. Amizade que
atravessa essas linhas, frequentemente traçadas com rixas profundas, é
possível, necessária e cristã.
Mas vamos inverter a frase. Aqui vem o “X” da questão, hoje. “Amigos,
amigos, heresia à parte”. Isso funciona? Não. E recorro a muitas
evidências e muitos imperativos bíblicos para sustentar minha resposta,
que pode parecer antipática para alguns.
Primeiro, entendamos a essência de uma heresia. Ela é uma postura que
esvazia o poder da cruz e, consequentemente, desvirtua a fé para algo
que não salva, não dá vida e não nos mantém em relacionamento com o Deus
vivo. Sério, não? Não tenha dúvida: seriíssimo. E grave.
Se tirarmos a imutabilidade de Deus da equação, descontruímos o
Evangelho. Se não afirmamos a exclusividade de Cristo como o único
caminho para a salvação, esvaziamos a sua mensagem e o próprio propósito
das Escrituras. Se eliminarmos a possibilidade da ressurreição física –
no tempo e no espaço, fazemos da esperança cristã uma ficção. Se
distorcermos a encarnação de Jesus Cristo, compreendendo-a como menos
divino ou menos humano, arrancamos a alma da proclamação do Evangelho.
Esses são apenas poucos exemplos de heresias que já assolaram a
Igreja ao longo da nossa História e que, calamitosamente, estão voltando
à cena atual por meio de pessoas simpáticas, carismáticas e, em muitos
casos, “amigas”. Então, o que diz a Bíblia sobre os nossos “amigos”?
Preparado para entrar de cabeça nas Escrituras? Então que diga não mais
eu, mas o Senhor:
Admiro-me de que vocês estejam abandonando tão rapidamente aquele que
os chamou pela graça de Cristo, para seguirem outro evangelho que, na
realidade, não é o evangelho. O que ocorre é que algumas pessoas os
estão perturbando, querendo perverter o evangelho de Cristo. Mas ainda
que nós ou um anjo do céu pregue um evangelho diferente daquele que lhes
pregamos, que seja amaldiçoado! (Gl 1.6-9)
O que receio, e quero evitar, é que assim como a serpente enganou Eva
com astúcia, a mente de vocês seja corrompida e se desvie da sua
sincera e pura devoção a Cristo. Pois, se alguém lhes vem pregando um
Jesus que não é aquele que pregamos, ou se vocês acolhem um espírito
diferente do que acolheram ou um evangelho diferente do que aceitaram,
vocês o suportam facilmente. (2 Co 11.3,4)
Procure apresentar-se a Deus aprovado, como obreiro que não tem do
que se envergonhar, que maneja corretamente a palavra da verdade. Evite
as conversas inúteis e profanas, pois os que se dão a isso prosseguem
cada vez mais para a impiedade. O ensino deles alastra como câncer;
entre eles estão Himeneu e Fileto. Estes se desviaram da verdade,
dizendo que a ressurreição já aconteceu, e assim a alguns pervertem a
fé. Entretanto, o firme fundamento de Deus permanece inabalável e selado
com esta inscrição: “O Senhor conhece quem lhe pertence” e “afaste-se
da iniqüidade todo aquele que confessa o nome do Senhor”.(2 Tm 2.15-19)
Cuidado com os cães, cuidado com esses que praticam o mal, cuidado
com a falsa circuncisão! Irmãos, sigam unidos o meu exemplo e observem
os que vivem de acordo com o padrão que lhes apresentamos… Pois, como já
lhes disse repetidas vezes, e agora repito com lágrimas, há muitos que
vivem como inimigos da cruz de Cristo. Quanto a estes, o seu destino é a
perdição, o seu deus é o estômago e têm orgulho do que é vergonhoso;
eles só pensam nas coisas terrenas. (Fp 3.2,17-19)
Filhinhos, esta é a última hora; e, assim como vocês ouviram que o
anticristo está vindo, já agora muitos anticristos têm surgido. Por isso
sabemos que esta é a última hora. Eles saíram do nosso meio, mas na
realidade não eram dos nossos, pois, se fossem dos nossos, teriam
permanecido conosco; o fato de terem saído mostra que nenhum deles era
dos nossos. Mas vocês têm uma unção que procede do Santo, e todos vocês
têm conhecimento. Não lhes escrevo porque não conhecem a verdade, mas
porque vocês a conhecem e porque nenhuma mentira procede da verdade.
Quem é o mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Este é o
anticristo: aquele que nega o Pai e o Filho. Todo o que nega o Filho
também não tem o Pai; quem confessa publicamente o Filho tem também o
Pai. (1 Jo 2.18-23)
Se alguém ensina falsas doutrinas e não concorda com a sã doutrina de
nosso Senhor Jesus Cristo e com o ensino que é segundo a piedade, é
orgulhoso e nada entende. Esse tal mostra um interesse doentio por
controvérsias e contendas acerca de palavras, que resultam em inveja,
brigas, difamações, suspeitas malignas e atritos constantes entre
pessoas que têm a mente corrompida e que são privados da verdade, os
quais pensam que a piedade é fonte de lucro. De fato, a piedade com
contentamento é grande fonte de lucro, pois nada trouxemos para este
mundo e dele nada podemos levar; por isso, tendo o que comer e com que
vestir-nos, estejamos com isso satisfeitos. Os que querem ficar ricos
caem em tentação, em armadilhas e em muitos desejos descontrolados e
nocivos, que levam os homens a mergulharem na ruína e na destruição,
pois o amor ao dinheiro é raiz de todos os males. Algumas pessoas, por
cobiçarem o dinheiro, desviaram-se da fé e se atormentaram a si mesmas
com muitos sofrimentos. Você, porém, homem de Deus, fuja de tudo isso e
busque a justiça, a piedade, a fé, o amor, a perseverança e a mansidão.
Combata o bom combate da fé. Tome posse da vida eterna, para a qual você
foi chamado e fez a boa confissão na presença de muitas testemunhas.
Diante de Deus, que a tudo dá vida, e de Cristo Jesus, que diante de
Pôncio Pilatos fez a boa confissão, eu lhe recomendo: Guarde este
mandamento imaculado, irrepreensível, até a manifestação de nosso Senhor
Jesus Cristo, a qual Deus fará se cumprir no seu devido tempo. Ele é o
bendito e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores, o único
que é imortal e habita em luz inacessível, a quem ninguém viu nem pode
ver. A ele sejam honra e poder para sempre. Amém. (1 Tm 6.3-17)
De fato, todos os que desejam viver piedosamente em Cristo Jesus
serão perseguidos. Contudo, os perversos e impostores irão de mal a
pior, enganando e sendo enganados. Quanto a você, porém, permaneça nas
coisas que aprendeu e das quais tem convicção, pois você sabe de quem o
aprendeu. Porque desde criança você conhece as sagradas letras, que são
capazes de torná-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus.
Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a
repreensão, para a correção e para a instrução na justiça… (2 Tm
3.12-16)
Podemos tirar aprendizados bem práticos das passagens acima:
1. Piedade e sã doutrina andam de modo inseparável. Não há como ser
de Deus e não defender a sua verdade revelada nas Escrituras.
2. Deturpar o Evangelho é uma forma de iniquidade, e é abominável, anátema, condenável à perdição eterna.
3. Quem faz isso (especialmente os que se intitulam líderes na
Igreja) constituem-se contra Cristo e, consequentemente, são
“anticristos”. Fugir da iniquidade é o mesmo que fugir da heresia. Fugir
da heresia compreende desmascarar hereges, uma vez que sejam
identificados.
A conclusão é que é impossível amar a Deus e ser “amigo” de quem
distorce a importância, o significado e a missão do seu Filho, Jesus
Cristo. Não devemos jamais esquecer o amor pelo ser humano que erra,
isso é evidente, mas jamais podemos aceitar seus ensinos errados por
causa disso.
Historicamente, alguns dos hereges da Igreja foram reputados como
pessoas simpáticas e, aparentemente, boníssimas: Ário, Pelágio e até
Rudolf Bultmann (um dos pais do liberalismo moderno). Um dos meus
antigos professores de seminário estudou com Bultmann na Alemanha e me
disse que nunca conheceu uma pessoa mais agradável e gentil. Só que essa
gentileza era a fachada de um inimigo da fé.
Não, não posso ser amigo de quem depõe contra tudo que tenho por
sagrado. É duro dizer isso, mas “heresia é heresia, amizades à parte”.
Na paz,
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